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Fóruns de discussão de assuntos profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas

terça-feira, 1 de setembro de 2020

S.Pedro da Torre

 Prima Aida Rodrigues

o prometido é devido, com algum atraso…

Tenho memória do teu avô Alípio como tenho outras de minha tenra idade, lá para S.Pedro da Torre. Não tenho muitas de vocês, pese embora tivesse lá, quando regressaram da Beira.
Lembro-me de quando tinha 18 meses (dizia-me a minha mãe), quando me levou à estação de S.Bento, entramos pela único portão aberto, naquela altura (o da esquerda, junto à estação dos correios) e me soltei da sua mão e corri feito um doido até ao ponto contrário, onde estava o comboio, que ainda existe, e com uma moeda “funcionava”.
Lembro dos seus gritos atrás de mim… e de eu me ter estatelado no chão, que estava molhado da chuva, bati com a nuca na pedra – bato mal da cabeça, por isso?! Se calhar – e ter ficado imóvel de braços entendidos e admirar o tecto da estação … quando os gritos da minha mãe estavam em cima de mim, levantei-me e corri até ao “meu” comboio.
Podes prima imaginar a aflição que lhe causei…
Lembro-me do nosso avô João e da nossa avó Elvira, terem vindo ao Porto. Lembro-me de ter ido com eles e da loja da fazendas, na Rua do Mouzinho, me ter parecido uma catedral, tal era altura das prateleiras cheias de peças de fazenda, e a minha pequena altura, e ele ter comprado fazenda para um fato que ia fazer – fiquei com a ideia que seria para alguém importante.
Lembro-me de a minha mãe me ter levado à estação, na partida do comboio, ali em S. Bento. E de finalmente estar dentro de um…. O meu comboio. Lembro-me de ter ficado à janela da “motora” apoiado naquela prateleira segura pela avó Elvira. E da minha mãe estar sempre aflita para sair … “Ainda vai partir e nós cá dentro” dizia. E foi…
O grave é que era um “foguete” que só parava em Ermesinde, onde se faz a bifurcação com a linha do Douro e a minha mãe ter que apanhar o troleicarro, com dinheiro que a avó lhe deu… As minhas irmãs, segundo ela, teriam ficado com a Zirinha, uma vizinha. O voltar a casa, a ela deve ter sido caso para umas duas horas, acho.
A roupa seguiu pela recoveira, lembro-me da avó dizer, quando garantiu: “ele vai connosco!”
E foi pela recoveira que voltei e continuei a ir.
Lembro-me da primeira noite e da avó me ter deitado no quarto, que ficava ao lado da sala de jantar e de me ter aplicado uma loção para afastar os mosquitos.
Lembro-me dos cheiros das peras madurinhas e grandes que ela trazia de Espanha. Do cheiro do ferro de passar que o avô acendia com caruma. Do cheiro da fazenda a receber o ferro com um pano molhado. Do cheiro do giz que ele marcava as peças. Do cheiro da água fresca que ela enchia quer o depósito da cozinha, quer o da casa de banho e aquele cheiro a limpo com que aquilo ficava.
Lembro-me do cheiro da lenha a arder no fogão da cozinha…. Do cheiro do arroz no forno… amarelo… de açafrão !
Lembro-me do cheiro da merdinha das vacas que ficavam na rua e como isso me leva à infância e a S.Pedro da Torre.
Lembro-me da reciclagem que ela fazia, atirando os restos para as galinhas, que atirava pelo postigo que dava directo para o capoeiro.
( para as galinhas iam as cascas da fruta, batatas e legumes, o resto, a comida do lume ia para um balde que ela depois levava para o porco. Acho que 99% do lixo doméstico da comida, era totalmente reciclado)
Lembro do cheiro da horta… e de ela me deixar dar à bomba para tirar a água ao fundo quintal e da minha felicidade ao fazê-lo!
Lembro-me do teu avô Alípio… e levemente de ti. Não te reconheci na fotografia. De ter ido ver os tios e os primos quando chegaram da Beira. Da cama dos teus pais, desarmada na loja, as mesinhas estavam aplicadas na tabua da cabeceira.
Lembro-me do senhor Bonifácio que era o motorista de táxi, louco, que colocava um arame no sítio de um parafuso que caíra. A tia-avó Silvina, dizia que uma vez a levou de táxi pelo monte de Faro, em Valença e a meio da viagem lhes dizer que ainda não tinha acabado de apertar o pneu que mudará. Disse-me isto há uns anitos, mas só para veres como ele era. E da mulher dele me dava rebuçados quando passava, claro com a avó, lá à porta ….fica perto da passagem de nível.
E da avó me levar a uma amiga da minha mãe, que ficava a caminho do rio, logo a seguir.
Hoje costumamos ir visitá-la e é a Irmã Maria das Dores que está num convento em Fátima desde 1970. Fez 92 anos em dezembro.
Lembro-me de uma senhora ter deixado uma bacia de alumínio, nova, que pousou logo atrás de um carro, enquanto falava com a avó e quando o carro fez marcha atrás – mais ou menos onde está a carrinha do meu tio na foto – a bacia ficou dobrada no pneu, foi o cabo dos trabalhos e o homem teve de tirar o pneu fora. E da mulher ter ficado toda contente porque se salvou a cabaça de vinho que, como era mole ficou intacta!!!
Lembro do ar sério do avô, mesmo nessa vinda ao Porto, quando fomos ao S. João e incomodo da cidreira no nariz… como sabes eles viveram no Porto e em Braga, logo o S. João não era novidade.
Lembro-me do silêncio dele à mesa e de só a avó falar. Lembro-me da única vez que o vi discutir com alguém foi quando um fulano foi desinquietar a avó à porta e ele lhe respondeu da janela e a fechou, pouco de depois com um sonoro “badamerda!” a primeira vez que ouvi esta versão.
Lembro-me de a avó me ter levado a Espanha, com ela a fazer o contrabando. Lembro-me do cheiro do café sical que ela enfiava numa longa saía que o avô lhe fez, cheia de canudos que ela enchia cuidadosamente (cada canudo um pacote de café em grão) e dela dobrar os sacos de café que lá depois voltava a encher.
Do bolso enorme na frente da saia que ele enchia de ovos e assim ia. Tivemos de passar na guarda, numa pequena casa que ainda hoje lá está junto à linha do lado nascente. Da revista e das guardas terem “fechado” os olhos…
Lembro-me de ter passado a ponte a pé pelo lado dos peões – ia-se pela direita e voltava-se pela esquerda, o jeito que hoje em pandemia isso dava – dela trazer caramelos e cem número de coisas que vendia na loja…
Nas férias grandes, eu ia pela recoveira e andar por lá, depois mais tarde, mandavam-me para Cerveira, e ou para Valença para casa do meu tio Alberto, na Boavista..
Na Foto a carrinha do meu tio sebastião – o capitão da lança – como o irmão de Cerveira dizia. Creio que à porta era a minha irmã Dores… a Francisca pode confirmar
Lembro-me da tia Ofélia passar lá à porta, sempre com coisas na cabeça, e do porte físico dela, hoje me fazer lembrar o filho António, afilhado do teu pai. Foi ele que cuidou dela e da tia Lina, antes de ele próprio morre...ainda aos 50 acho.
O contraste entre a avó e a tia Ofélia, era abismal.
Uma mais sisuda, apesar de não nos faltar com nada, e outra sempre alegre e com mais sentido de humor.
Eu dizia-lhe que a cara dela me fazia lembrar a avó Elvira que eu conhecia de miúdo e ela ficava feliz e sorridente, mas frisava que era só de cara.
Acho que isso se devia à diferença de idade que elas tinham.
A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas em pé, fato e interiores
Martinho Pacheco, Paula Kruss Nogueira Silva e 11 outras pessoas
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