Comunidade TOC

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Fóruns de discussão de assuntos profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas

sábado, 21 de novembro de 2020

As propostas da candidata Paula Franco/ versus Bastonário Paula Franco

 


"Atendendo à relevância do papel que a Comissão Eleitoral terá na orientação e condução da assembleia geral eleitoral e no aconselhamento nas decisões que possam vir a ser tomadas, é fundamental que esta Comissão para além de personalidades independentes inclua representantes das candidaturas para que se garanta a total independência e liberdade ao longo de todo o processo, devendo-lhe ser garantidas condições para o regular exercício das suas funções." a Paula Franco, Candidata!

As propostas da candidata Paula Franco/ versus Bastonário Paula Franco
(uma espécie de Oliva industrial de Costura e a Olívia detentora da mão de obra especializada)

Como se pode ler na Proposta da Comissão de Fixação de Vencimentos, apesar de não existir Regulamento Eleitoral – o último artigo fez-se implodir o regulamento que serviu de base ao último acto eleitoral - os vencimentos dos membros do Presidente da Assembleia Geral Eleitoral, já está definido para o período eleitoral: 2.000€, 1.400e, para o Vice, e 1.200€ para os secretários efectivos.


Ora, está a ser colocado o carro à frente dos bois, uma vez que o Regulamento resultará de uma consulta pública, sob proposta do Conselho Directivo, e a ser aprovado pela AR.

Seria pois espectável, que a Assembleia Geral Eleitoral, resultasse da figura que o regulamento lhe der e que funções atribui aos seus membros.

Basicamente está em saber se funciona de modo colegial, ou assenta nas decisões do seu Presidente, como resultou no último acto eleitoral.

A proposta de vencimento é clara quanto aquilo que já está decido, o que implica, que mais uma vez resultará de uma mero fingimento que se faz consulta pública de algo que já foi decido há muito.

 

O que propunha a então candidata ao cargo, Paula Franco? Em setembro de 2017

Sendo-lhe o Presidente da AGE, um elemento hostil, a sua candidatura, fazia proposta de alterações a vários artigos, onde se cortava a expressão “Presidente da mesa da Assembleia Geral eleitoral”, ficando apenas “a da mesa da Assembleia Geral eleitoral”.

Pela proposta remuneratória a Bastonário, Paula Franco, optará pela visão antiga, ou seja, por uma solução de um Presidente não hostil.

A confirmar-se será mais um machadada numa questão crucial, que é o controle unívoco do processo eleitoral, em vez do controle democrático.

A candidatura da Filomena Martins, propunha que a AGE, fosse alargada a um representante de cada lista aprovada. E bem, porque em democracia é assim, e é assim que que funcionam outras instituições.

A primeira grande machadada ocorreu como a eleição da Mesa, constituída de forma a proporcionar as situações de monólogo, incluindo apenas um membro da lista B, por sinal, apoiante da solução Paula Franco, à segunda volta.

Como candidato pela lista A, o oitavo pelo PORTO, de imediato reagi, pela exclusão da segunda lista mais votada – a D -, que na prática representava os outros quase 50% dos votantes, sabendo-se a solução final teve apenas mais 600 votos.

Fosse por 6.000, 600, 60 ou 6, a vitória foi aquela.

Mas isto não é uma agremiação socio cultural, pelo que a Mesa, ou seja aquela que irá conduzir o processo eleitoral, excluiu prematuramente o princípio da proporcionalidade que a instituição necessita, a Lei implica e a constituição obriga.

Longe vão os tempos em que trabalhei, com outro candidato, mas eleito, um regimento onde a solução “mesa”, foi vista e revista, chegando ao ponto de ele ter sugerido que o vice-presidente seria o da segunda lista mais votada.

 

No dia da segunda volta e devidamente “autorizado” pela candidata, que não sabia o desfecho final, eu convocava uma reunião de eleitos e não eleitos das quatro listas, para na semana seguinte iniciarmos a discussão do regimento, onde a mesa era o alvo mais importante.

Depois da contagem dos votos, foi-me transmitido pelo coordenador da campanha do Porto, que a bastonário eleito desautorizava a participação dos membros da sua “força de bloqueio” nessa reunião. Repara-se que da mesma forma que disse faça, se faz favor, podia ter a delicadeza de me mandar mensagem, ou até ter ligado – aliás como me fez em setembro a propósito do dia do cobrador de impostos, que os inspectores tributários celebram nessa data – mas não, por e simplesmente mando o “estafeta” fazê-lo.

Reunidos na manhã do dia da primeira assembleia, juntando eleitos pela B, e membros dos restantes órgãos eleitos, numa machadada na separação de poderes que a Lei obriga, a “força de bloqueio”, decidiu que era a “sua lista” e ponto final.

Ainda existiu uma tentativa de sugerir uma lista, ao meu co-autor do regimento, mas ele respondeu: “já temos a nossa!”

Fazendo lembrar o famoso anuncio de natal das bombocas, quando na noite de natal, o cliente batia à porta da loja e apontava para a última embalagem na montra e, sorridente o dono, respondia em gestos “é a última… é para mim!”

Outra machadada foi a vacatura do lugar de Presidente, que nem vou relembrar.

 

Há um elemento na mesa, pelo qual ainda tenho muita estima e consideração, embora já há muito, que não trocamos opiniões. A secretária Raquel Mota Pinto, com quem tive as primeiras reuniões antes da segunda volta – inicialmente “autorizadas”, mas que a continuação a nível local, teve de vir de “cima” para ser aceite pelo coordenador, tamanha era o sectarismo nessa altura a que não fosse do oco slogan dos TODOS CONTAM. A discussão do regimento, da mesa, etc e sobretudo do seu legado – a lista pela qual foi eleita e responde, defendia uma Comissão Eleitoral alargada a representantes de cada uma das listas aceites.

Pode até ser muito crítica, mas publicamente é desconhecido o seu papel, se de facto existe e se de facto é um elemento que ali faz a ponderação, como foi importante a posição da Drª Leonor, no desfecho da decisão final do último acto eleitoral, onde, recorde-se o Presidente estava munido de representação de outros 2 elementos. Era um 3 em 1.

 

Assim e sobretudo à Raquel Mota Pinto, espero que não permita esta machada na democracia da instituição, fazendo tudo em “casa”. Sobretudo pelo não participar na “solução”.

É que a já existir “remunerações” para a Assembleia Geral Eleitoral” como o leque salarial de 2000, 1400 e 1200, quando ainda nem há um Regulamento e que solução para a Comissão, sobretudo no modo como vai “decidir”, é um mau, muito mau presságio.

Ai Olívia, Olívia a saudade deste boneco:


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

CARTA ABERTA AO CONSELHO DIRECTIVO E EM PARTICULAR À SUA PRESIDENTE, BASTONÁRIA DR.ª PAULA FRANCO

 


 

ASSUNTO: JUSTO IMPEDIMENTO DO CONTABILISTA CERTIFICADO

 

Excelências,

Está a fazer sensivelmente dois anos que o Partido Comunista Português conseguiu introduzir no Orçamento de Estado um artigo que recomendava ao governo a criação de legislação no sentido de introduzir na lei e regulamentar na lei a figura do justo impedimento na nossa profissão.

Durante as sessões de debate sobre os regulamentos que a Assembleia Representativa iria aprovar em Dezembro, realizadas na sessão do Porto, a senhora bastonária acusou um grupo de colegas de ter interferido no processo, ao ter “provocado” aquela proposta do Partido Comunista, quando tudo já estava tratado entre a Ordem e o Secretário de Estado… sim, foi mesmo isso que foi referido há 2 anos no Porto. Porém, noutras sessões realizadas noutros pontos do país, disse que, face à proposta do Partido Comunista, o Senhor Secretário de Estado lhe ligara, pedindo-lhe que escolhesse entre “férias fiscais ou Justo impedimento”.

Ora bem!

A informação que lhe fizeram chegar era imprecisa e deturpada. De facto, face à proposta apresentada no final de Julho anterior, onde abundavam propostas sobre férias fiscais e uma linha lacónica sobre justo impedimento, um grupo de colegas que de há muito tempo lutava pela introdução do justo impedimento no quadro legislativo português, aproveitando uma audiência com o Bloco de Esquerda, recolocou de novo o assunto. Porém, a iniciativa acabou por ser do Partido Comunista, fruto da intervenção de outros colegas, que não podemos deixar de saudar, uma vez que foi em prol da profissão. Apesar de, nessa mesma sessão, a senhora bastonária ter reclamado que o “direito de representação em nome da profissão” é da exclusividade da Ordem, sempre contrapomos que o “direito cívico, incluindo o da profissão” é de quem o exerce, porque se trata de um direito consagrado na Constituição, pelo que nem nós, nem os colegas que trabalharam junto do Partido Comunista e até de outros partidos, o fizeram usurpando os direitos da Instituição.

Durante a audição parlamentar de Maio passado, sobre a banca, questionada pelo deputado Duarte Alves, do Partido Comunista, a senhora bastonária revelou que a regulamentação sobre o justo impedimento está, ainda, a ser discutida, dado que a Autoridade Tributária a quer aplicar exclusivamente à modelo 22 e à IES.

Mas, dissecando o processo:

1 - São vários os profissionais que, ao longo dos anos, se bateram pela figura do justo impedimento, a maior parte das vezes contra o aparelho da sua Associação Pública Profissional;

2 - Seria, pois, espectável que este assunto fosse tratado ouvindo os profissionais e, em particular, os colegas que dedicaram anos à luta pela conquista desta importante figura para os contabilistas certificados. Infelizmente, a Ordem optou por os excluir deste processo;

3 - Não acreditamos que 3 membros da Assembleia Representativa - Teresa Neves, Vitor Oliveira e Vitor Martins - eleitos pela lista vencedora, tenham claudicado sobre algo em que tanto se empenharam, pelo que concluímos que as suas opiniões e experiência sobre este tema não tenham, igualmente, sido levadas em conta;

4 - Vossas Excelências apresentaram ao governo uma proposta de alteração estatutária, sem que tal tivesse passado, pela discussão pública e aprovação em assembleia (embora não o tenham feito através da adenda de artigos aos estatutos, como a solução era essa, e o tema justificava, deveriam tê-lo feito);

5 - No que concerne ao parentesco, Vossas Excelências optaram por uma solução que é um mero decalque do código de trabalho, pelo que sabiam, ou deveriam saber, que, para além da dificuldade de provar algumas relações familiares, isso seria um obstáculo. Por exemplo, nunca fomos além do primeiro grau da linha reta e nem sequer referimos a união de facto, para não dificultar a sua aceitação. Tal como nunca fomos além do internamente hospitalar, porque sabíamos que o mero atestado médico seria um entrave para a AT;

6 - O que se pretendia era uma analogia com os advogados, uma vez que nem o parto é, só por si, motivo para a figura do justo impedimento, existindo recusa de juízes consubstanciada na figura do substabelecimento existente para as situações previstas. Tal como, por norma, não aceitam o mero atestado médico, registando-se inclusive, situações de recurso a tribunais superiores, para que possam ter provimento;

7 - Optamos, por isso, por propor apenas a morte do contabilista, tal como apresentado pelo Partido Comunista, mas rejeitada em comissão parlamentar;

8 - A senhora bastonária apresentou há um ano, na sua audição sobre a proposta legislativa, a justificação de que a morte não era um assunto dos profissionais, mas sim dos contribuintes.

Acontece que, parecendo adeptos de uma ideologia na profissão, que consiste na defesa da tese de que as contabilidades devem estar em grandes gabinetes, essa posição transmite aos empresários a mensagem de que a terem trabalhadores dependentes ou profissionais que trabalham de forma isolada correm riscos por sua conta.

Se isso é verdade para a morte, não deixa de o ser para o resto: parto, doença súbita ou as situações de nojo. Ou seja, a vossa posição MATA o justo impedimento, seja ele aplicado a profissionais que trabalham sem outros colegas, seja aplicado a grandes gabinetes;

9 - Nessa mesma audição, a senhora bastonária foi confrontada, com uma pergunta de um deputado independente, sobre a aplicação da “licença de parentalidade, quando gozada pelo pai, quando a mãe não a possa exercer por doença ou falecimento”, tendo sorrido de forma sarcástica, o que nos leva a concluir que também não tenha entendido esta questão, pois o justo impedimento parece que nunca foi uma preocupação do conselho diretivo da Ordem, ao oscilar entre o “entender e o não-entender”.

Ora, vejamos.

Nunca pretendemos que se fosse para além do que está previsto na especificidade da lei. Que se saiba, há uma obrigação do gozo da licença de maternidade da parturiente nas primeiras semanas, pelo que a defesa das nossas colegas parturientes, no caso de trabalhadoras dependentes, é crucial, no sentido de evitar que sofram pressões para que passem essa responsabilidade para os seus esposos, ficando as próprias disponíveis para as obrigações da empresa onde são trabalhadoras. Tão pouco que os pais contabilistas usufruam de um direito que lhes possa dar jeito, excepto quando o tenham que fazer em situações de fatalidade.

O direito aos 5 dias da paternidade está lá, e o que estava em causa eram os trinta dias seguintes ao parto.

Aliás, era uma proposta para os sujeitos passivos de IRS, sem obrigação de terem contabilista certificado, que tínhamos enviado para a discussão no âmbito das inúmeras alterações a códigos fiscais e que aproveitava a proposta inicial que apresentamos e continuaremos a apresentá-la até que um dia venha a ficar plasmado na LGT, dando assim também aos sujeitos passivos em geral, as mesmas garantias concisas e precisas, em sede declarativa fiscal e parafiscal;

10 - De facto, aplicar a medida apenas à modelo 22 e à IES é algo que não serve de muito, pois é uma posição demasiado redutora, tendo em conta todas as obrigações em causa.

.

 

Excelências,

É tempo de o assunto ser reanalisado, rediscutido e até reformulado e dar a mão à palmatória, para que, finalmente, o assunto seja concretizável, sem floreados que não levam a lado nenhum e com manifesto prejuízo para todos.

 

OS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

18 de Setembro de 2020

António Domingues

Eduardo Barros

Euclides Carreira

Joaquim Antunes

Vítor Cunha

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Proposta de “Regulamento Eleitoral” da Ordem dos Contabilistas Certificados

 

Um trabalho recuperado e actualizado à presente situação, subscrito por 5 colegas.

Um contributo sério, que se espera que seja recebido com a devida seriedade.


EQUUS FERUS CABALLUS E RESILIÊNCIA

 


Esta semana no PORTO, um Equídeo ao ver-se livre do seu cavaleiro da GNR, seguiu o seu caminho de regresso a casa, das Fontainhas às Carmelitas (terá apreciado a Lello?), passando pela Trindade, e outras zonas da baixa, ficando quase à porta do “seu” quartel do carmo. A passo, a trote ou a cânter, LIVRE DAS RÉDEAS DO CAVALEIRO.
Os profissionais, também estão a viver o efeito de liberdade, sem as rédeas que os conduzam para o abismo, colocando a profissão num dos níveis mais baixos de que há memória, ao transmitir ao tecido empresarial, que a entidade regulador da sua profissão, se comporta como uma mera subsecretaria de estado, sem o pensamento crítico, que a Lei lhe confere, transmitindo uma sensação de CONFORTO, ao Fisco e concomitantemente de DESCONFORTO aos profissionais!
Acantonados pela defesa unívoca, de uma posição que já se percebeu, que ninguém a aceita, correm para o abismo, e necessitam urgentemente de medidas paliativas, que lhes permita sair do “buraco”, em que se meteram.
Da Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei do SAFT, proposto pelo PCP, ainda em Novembro passado, à proposta de revogação da obrigação de submissão deste partido, em sede da Proposta de Lei 180/XIII, que ousamos incluir o tema com propostas de um pequeno grupo de profissionais, ao clarividente discurso da deputada CECÍLIA MEIRELES do CDS, à tomada de posição pública da Confederação do Comércio e Serviços, à das Pequenas e Médias Empresas, aos quase 12.000 subscritores da petição, aos 14 profissionais que estiveram na audição parlamentar do passado dia 5, em representação de várias associações ou de grupos isolados, ao que ainda não é público por várias razões, este caminho, fez-se e vai continuar a fazer-se, ouvindo, tal como foi proposto, as Confederações Empresariais, a Comissão de Normalização Contabilística, as Ordens Profissionais, a Associação dos produtores de programas, a COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS, bem como as Comissões Parlamentares do Orçamento e Finanças, e dos Direitos Liberdades e Garantias, e até de grupos, associações e profissionais de prestígio.
As notícias que nos chegam, permitem que se crie um sentimento de confiança e de que vale a pena sair da zona de conforto e batalhar por causas em defesa da profissão, dignificando-a, tal como está na Lei, sabendo que o direito à RESISTÊNCIA, é uma norma constitucional, que TODOS devemos exercer, quando pretendem subverter as leis, com outras “leis” estapafúrdias!
Quem se meteu na lama, e pretendeu conduzir-nos para ela, saiba que não são os artefactos que usam, os títulos que invocam, ou os sorrisos e as festas, numa atitude ególatra, que se obtém o respeito e a admiração que todos precisamos.
Urge reconhecer o erro crasso - bem como de quem os idolatra - sabendo dar o passo necessário para entrar “a tempo” na alteração do RUMO, com a humildade que se impõe ou…
se incapazes de dar a volta necessária, saber sair de cena para bem de TODOS.
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Baruch Espinoza, ou BENTO DE ESPINOSA,
Filósofo judeu de origem portuguesa do Século XVII,
excomungado pelas 3 religiões monoteístas
"Pára de ficar rezando e batendo no peito!
O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que
Eu fiz para ti. Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.
Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. Pára de me culpar da tua vida miserável:
Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer. Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.
Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho...
Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.
Eu sou puro amor. Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar.
Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
Que tipo de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos.
Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
Viva como se não o houvesse.
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste? Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar. Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar. Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres?
Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti... aí é que estou."

terça-feira, 1 de setembro de 2020

S.Pedro da Torre

 Prima Aida Rodrigues

o prometido é devido, com algum atraso…

Tenho memória do teu avô Alípio como tenho outras de minha tenra idade, lá para S.Pedro da Torre. Não tenho muitas de vocês, pese embora tivesse lá, quando regressaram da Beira.
Lembro-me de quando tinha 18 meses (dizia-me a minha mãe), quando me levou à estação de S.Bento, entramos pela único portão aberto, naquela altura (o da esquerda, junto à estação dos correios) e me soltei da sua mão e corri feito um doido até ao ponto contrário, onde estava o comboio, que ainda existe, e com uma moeda “funcionava”.
Lembro dos seus gritos atrás de mim… e de eu me ter estatelado no chão, que estava molhado da chuva, bati com a nuca na pedra – bato mal da cabeça, por isso?! Se calhar – e ter ficado imóvel de braços entendidos e admirar o tecto da estação … quando os gritos da minha mãe estavam em cima de mim, levantei-me e corri até ao “meu” comboio.
Podes prima imaginar a aflição que lhe causei…
Lembro-me do nosso avô João e da nossa avó Elvira, terem vindo ao Porto. Lembro-me de ter ido com eles e da loja da fazendas, na Rua do Mouzinho, me ter parecido uma catedral, tal era altura das prateleiras cheias de peças de fazenda, e a minha pequena altura, e ele ter comprado fazenda para um fato que ia fazer – fiquei com a ideia que seria para alguém importante.
Lembro-me de a minha mãe me ter levado à estação, na partida do comboio, ali em S. Bento. E de finalmente estar dentro de um…. O meu comboio. Lembro-me de ter ficado à janela da “motora” apoiado naquela prateleira segura pela avó Elvira. E da minha mãe estar sempre aflita para sair … “Ainda vai partir e nós cá dentro” dizia. E foi…
O grave é que era um “foguete” que só parava em Ermesinde, onde se faz a bifurcação com a linha do Douro e a minha mãe ter que apanhar o troleicarro, com dinheiro que a avó lhe deu… As minhas irmãs, segundo ela, teriam ficado com a Zirinha, uma vizinha. O voltar a casa, a ela deve ter sido caso para umas duas horas, acho.
A roupa seguiu pela recoveira, lembro-me da avó dizer, quando garantiu: “ele vai connosco!”
E foi pela recoveira que voltei e continuei a ir.
Lembro-me da primeira noite e da avó me ter deitado no quarto, que ficava ao lado da sala de jantar e de me ter aplicado uma loção para afastar os mosquitos.
Lembro-me dos cheiros das peras madurinhas e grandes que ela trazia de Espanha. Do cheiro do ferro de passar que o avô acendia com caruma. Do cheiro da fazenda a receber o ferro com um pano molhado. Do cheiro do giz que ele marcava as peças. Do cheiro da água fresca que ela enchia quer o depósito da cozinha, quer o da casa de banho e aquele cheiro a limpo com que aquilo ficava.
Lembro-me do cheiro da lenha a arder no fogão da cozinha…. Do cheiro do arroz no forno… amarelo… de açafrão !
Lembro-me do cheiro da merdinha das vacas que ficavam na rua e como isso me leva à infância e a S.Pedro da Torre.
Lembro-me da reciclagem que ela fazia, atirando os restos para as galinhas, que atirava pelo postigo que dava directo para o capoeiro.
( para as galinhas iam as cascas da fruta, batatas e legumes, o resto, a comida do lume ia para um balde que ela depois levava para o porco. Acho que 99% do lixo doméstico da comida, era totalmente reciclado)
Lembro do cheiro da horta… e de ela me deixar dar à bomba para tirar a água ao fundo quintal e da minha felicidade ao fazê-lo!
Lembro-me do teu avô Alípio… e levemente de ti. Não te reconheci na fotografia. De ter ido ver os tios e os primos quando chegaram da Beira. Da cama dos teus pais, desarmada na loja, as mesinhas estavam aplicadas na tabua da cabeceira.
Lembro-me do senhor Bonifácio que era o motorista de táxi, louco, que colocava um arame no sítio de um parafuso que caíra. A tia-avó Silvina, dizia que uma vez a levou de táxi pelo monte de Faro, em Valença e a meio da viagem lhes dizer que ainda não tinha acabado de apertar o pneu que mudará. Disse-me isto há uns anitos, mas só para veres como ele era. E da mulher dele me dava rebuçados quando passava, claro com a avó, lá à porta ….fica perto da passagem de nível.
E da avó me levar a uma amiga da minha mãe, que ficava a caminho do rio, logo a seguir.
Hoje costumamos ir visitá-la e é a Irmã Maria das Dores que está num convento em Fátima desde 1970. Fez 92 anos em dezembro.
Lembro-me de uma senhora ter deixado uma bacia de alumínio, nova, que pousou logo atrás de um carro, enquanto falava com a avó e quando o carro fez marcha atrás – mais ou menos onde está a carrinha do meu tio na foto – a bacia ficou dobrada no pneu, foi o cabo dos trabalhos e o homem teve de tirar o pneu fora. E da mulher ter ficado toda contente porque se salvou a cabaça de vinho que, como era mole ficou intacta!!!
Lembro do ar sério do avô, mesmo nessa vinda ao Porto, quando fomos ao S. João e incomodo da cidreira no nariz… como sabes eles viveram no Porto e em Braga, logo o S. João não era novidade.
Lembro-me do silêncio dele à mesa e de só a avó falar. Lembro-me da única vez que o vi discutir com alguém foi quando um fulano foi desinquietar a avó à porta e ele lhe respondeu da janela e a fechou, pouco de depois com um sonoro “badamerda!” a primeira vez que ouvi esta versão.
Lembro-me de a avó me ter levado a Espanha, com ela a fazer o contrabando. Lembro-me do cheiro do café sical que ela enfiava numa longa saía que o avô lhe fez, cheia de canudos que ela enchia cuidadosamente (cada canudo um pacote de café em grão) e dela dobrar os sacos de café que lá depois voltava a encher.
Do bolso enorme na frente da saia que ele enchia de ovos e assim ia. Tivemos de passar na guarda, numa pequena casa que ainda hoje lá está junto à linha do lado nascente. Da revista e das guardas terem “fechado” os olhos…
Lembro-me de ter passado a ponte a pé pelo lado dos peões – ia-se pela direita e voltava-se pela esquerda, o jeito que hoje em pandemia isso dava – dela trazer caramelos e cem número de coisas que vendia na loja…
Nas férias grandes, eu ia pela recoveira e andar por lá, depois mais tarde, mandavam-me para Cerveira, e ou para Valença para casa do meu tio Alberto, na Boavista..
Na Foto a carrinha do meu tio sebastião – o capitão da lança – como o irmão de Cerveira dizia. Creio que à porta era a minha irmã Dores… a Francisca pode confirmar
Lembro-me da tia Ofélia passar lá à porta, sempre com coisas na cabeça, e do porte físico dela, hoje me fazer lembrar o filho António, afilhado do teu pai. Foi ele que cuidou dela e da tia Lina, antes de ele próprio morre...ainda aos 50 acho.
O contraste entre a avó e a tia Ofélia, era abismal.
Uma mais sisuda, apesar de não nos faltar com nada, e outra sempre alegre e com mais sentido de humor.
Eu dizia-lhe que a cara dela me fazia lembrar a avó Elvira que eu conhecia de miúdo e ela ficava feliz e sorridente, mas frisava que era só de cara.
Acho que isso se devia à diferença de idade que elas tinham.
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Martinho Pacheco, Paula Kruss Nogueira Silva e 11 outras pessoas
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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O GUARDA-LIVROS FONSECA

 

  

Reflexão profissional, sobre momentos e casos que, se não se passaram, podiam ter acontecido, fruto de delírios do autor, pelo que qualquer semelhança com alguma situação real, será obviamente mera coincidência e é abusiva a sua colagem.

 

Parte primeira

 

- Oh Fonseca, veja lá nas finanças o que se passa com o reembolso do meu IRS!

- Quando envolve mais-valias, Sr. Dias da Cruz, vai sempre para analisar. O seu caso é muito complexo … e, em ano de pandemia, com os serviços confinados é um problema!

- Você é que tem que resolver, não é o guarda-livros da empresa?

 

Amaro Sá Fonseca já tinha perdido a conta às humilhações do seu patrão Dias da Cruz, desde que há 30 anos tinha ido trabalhar, às tardes, para a sua empresa. Covarde como era, nunca lhe tinha feito frente, pois a dependência económica a isso o obrigava.

Faltava-lhe a destreza de outros colegas de profissão, que se aventuravam a abrir gabinetes. Muito perto da reforma, só sonhava com o dia em que largava tudo, sobretudo agora em que percebia cada vez menos desta enorme trapalhada para onde está a caminhar a profissão.

Vamos de cavalo para burro, era o que pensava com os seus botões quando ia às quartas-livres que a Ordem organizava.

Durante o confinamento continuou a ir todas as tardes à empresa, apesar de diabético e hipertenso. A Direcção Geral de Saúde tinha afirmado que os contabilistas não estavam impedidos de trabalhar e o Dias da Cruz foi intolerante. Embora, ele próprio tivesse ficado em casa, quase até meado de Maio, pois sempre entendeu que patrão que é patrão pode e manda.

Tinha ido consultar a declaração do patrão e verificou que tinha sido seleccionada para analise, o que era normal nestes casos, havendo razões de sobra como aquela. Porém, como era hábito do fisco, quando se consultava as divergências aparecia o vocábulo  “Irregularidade” e o convite a apresentar uma declaração de substituição.

Enviou a escritura da venda e a da partilha. Porém, esta era tão longa e complexa que duvidou que, sem uma explicação presencial, eles dessem conta do recado.

Conseguiu agendar um atendimento. Todavia, face à enorme procura, só havia disponibilidade na terceira semana de Outubro. Em alternativa, podia, se quisesse - a linguagem habitual do fisco - ser atendido em Vila Franca de Xira, na semana seguinte, pelas 15 horas. Dias da Cruz, contrariado, lá o autorizou.

Sem carta de condução, Amaro foi de comboio. Levou máscara e escolheu a carruagem com menos gente, pois a hora do almoço a isso se proporcionava.

À hora marcada, uma simpática funcionária deu uma olhadela aos documentos e à explicação de Amaro. Confirmou que havia necessidade de conferir e validar as quotas-partes de cada herdeiro, mas, no caso concreto daquele sujeito passivo não podia, com muita pena, dar seguimento, uma vez que só o serviço da área de residência tinha permissão para sanar a divergência e a irregularidade. Gentil, qualidade rara que se realça, pegou no telefone e conseguiu que o colega do Seixal recebesse o reencaminhamento deste sujeito passivo para a sexta-feira seguinte pelas 11 horas. O humilde Amaro agradeceu a amabilidade e iniciou a viagem de regresso.

 

Amaro tinha sempre o cuidado de tratar as coisas com tempo e, sobretudo, procurar ajuda quando precisava dela, muito antes dos prazos. Em Setembro do ano anterior, quando Dias da Cruz lhe perguntou quanto iria pagar das mais-valias da venda de um imóvel da família, pediu-lhe a escritura de venda e a das partilhas.

- Para que quer tanta coisa, Fonseca?

- Para calcular a sua quota-parte da herança e as datas.

- Isso não pode ficar para o ano?

- Então, como quer que eu lhe diga quanto vai pagar?

A partilha era um bico-de-obra, tinha quase 20 páginas, pois há 3 gerações que ninguém partilhava nada e, ainda por cima, os netos tinham os nomes dos avós direitinhos. Pegou nas escrituras e foi a serviço de Finanças que atende só para esclarecimentos. Um já tinha fechado e o do Porto ia pelo mesmo caminho.

Por sorte, foi atendido pela Drª Conceição que, felizmente, tinha voltado ao serviço depois do luto pela morte do marido.

- Vocês vêm para cá com isto, só me sabem dar trabalho! E continuou com a lengalenga,  resmungou, resmungou, mas lá foi lendo.

Amaro lá lhe foi dizendo que tinha sugerido ao patrão que os herdeiros pedissem ajuda a um advogado ou solicitador para fazerem um mapa com a identificação da quota-parte de cada um. A resposta foi, mais uma vez:

- “Isso custa dinheiro e você é que é o guarda-livros da empresa, não é? Então vire-se homem, vire-se!”

A dada altura, a Drª Conceição ficou baralhada, no meio de tanto nome igualzinho.

- Deixa ao seu irmão Germano?! Deus me valha, este agora apareceu aqui como?! Quem é este Germano?!

Um senhor que estava a ser atendido ao lado, talvez advogado ou colega, levantou-se e sussurrou por cima do biombo transparente:

- “É uma expressão jurídica!”

A Drª Conceição bateu com a mão na testa e disse:

- É claro, é germano e eu li Germano, vocês até nos baralham. - E agradeceu-lhe.

Ora, o irmão germano Dias da Cruz, herdou, por testamento e em exclusivo, a parte daquele irmão já falecido.

Fixou-se na conversa do senhor do lado e na amena cavaqueira que estava a ter com a outra Drª que o atendia. Dizia ela:

- Claro, os germanos são os filhos do mesmo pai e da mesma mãe. E os irmãos filhos só da mesma mãe?

- Irmãos uterinos.

- E os só da parte do pai?

Ele fez um sorriso maroto e disse:

- Irmãos consanguíneos, menina.

E riram-se os dois.

Voltou a concentrar-se na Drª Conceição, enquanto pensava que, pois claro, havia ali meios-irmãos e, por isso, só não tinha chegado à conclusão que a herança só para ele, por ter sido deixada em testamento do irmão, e afinal que quota- parte lhe cabia.

Quase ao fim de hora e meia, depois de ter entrado a Drª Conceição dava-lhe um mapa da partilha, dizendo:

 - Creio que seja isto. Quando entregar a declaração de rendimentos, eles vão chamá-lo, leve isto e eles que confirmem ou façam outra leitura.

Agradeceu-lhe muito, como sempre e saiu. Esteve toda a manhã nas Finanças e por sua conta, porque o Dias da Cruz jamais o deixava ir perguntar fosse o que fosse durante as tardes.

Foi esse mapa e as cópias das escrituras que levou consigo, mas não o tinha enviado, nem o deixaria no serviço de finanças, não fosse a Drª ter problemas com isso.

 

O Amaro lá apanhou o comboio em Vila Franca de Xira de regresso, agora mais lotado, apesar de estar a meio da tarde.

Numa das estações entram uns energúmenos com cruzes suásticas e olhando os passageiros com ar intimidatório. Um deles, mais ou menos da idade dele, ficou de pé, quase em frente a uma preta de meia-idade, ajeitando a “sua bagagem”, qual "Rodrigues" dos “Sinais de Fogo” do Jorge de Sena, que era o abono de família dos meninos ricos do colégio dos padres, tal como estes o eram para a sobrevivência económica do colégio, caso não fechassem os olhos aos escândalos que causavam. E quando ele passava junto das barracas, na Figueira, em calção de banho, as senhoras comentavam: “que aquele está bem fornecido”.

“Rodrigues” que tinha uma paixão platónica, desde a adolescência, pela tia do personagem principal, a ponto de aceitar ir levar o bilhete à mãe dela, por iniciativa do sobrinho e que ela desconhecia quem o ia levar. Pedia uns 15 contos de réis, sabendo que iria servir os impulsos sexuais da velha, como fazia com os universitários lá de Coimbra. Libertinagens dos anos trinta que, afinal, hoje em dia, não são novidade nenhuma. Mércia Sena, falecida em Abril passado, com 100 anos, publicou, já depois da morte do marido, em 78, esta obra que, por razões óbvias, ele nunca se atrevera a publicar durante a ditadura.

Ainda com a mão a aconchegar a “sua bagagem”, o energúmeno lá ia dizendo umas barbaridades:

- “Quando estive em África fui à tua mãe e a muitas pretas, putas de merda!”.
“Volta para a tua terra!”.

Ninguém fez um gesto. A preta não desviava o olhar da janela, até que eles saíram na paragem seguinte. A calma e o sossego regressaram e Amaro aproveitou para reclamar consigo mesmo.
Então, quem é que foi para a terra “deles” não fomos nós?! Quem os meteu nos negreiros e os vendeu como escravos não fomos nós?! A construção do poço dos negros, em Lisboa, não foi ordenada por D. Manuel, para lá se deitarem os corpos dos escravos, que começavam a trazer para Lisboa, que, como não eram batizados, não podiam ser sepultados nas igrejas?! Quem fez os massacres de em S. Tomé, Guiné e Angola, antes da guerra colonial começar?! Quem fazia os pretos abrir uma cova e no fim dava-lhes com um pau ou um tiro e era só cobri-los com a terra?!

Sim, não era geral e até havia cenas piores na Rodésia, na África do Sul e nos Estados Unidos, com a segregação racial, mas se eles andam por cá, fomos nós que os fomos desinquietar primeiro.

A viagem continuava e ele regressou aos seus problemas da profissão.

 

O totalitarismo ideológico do fisco, qual espécie de planta não indígena, comumente conhecida como exótica invasora, tem vindo a ocupar o espaço da contabilidade, asfixiando-a.

Tinha acompanhado todas as sessões sobre o SAF-T da contabilidade, promovidas por diversas entidades. Quando ouviu falar numas sessões em ambiente de trabalho, inscreveu-se.

Foi agendada para a segunda quinzena de Julho do ano passado. Nessa altura, estava o parlamento a estudar alterações ao que estava previsto. Ouviu a audição parlamentar do secretário de estado, da bastonária e de uma dúzia de colegas que, também, lá foram. Nessa altura, havia uma proposta do PCP e o PSD ameaçava votá-la.

Eram para ser dois colegas, mas só um pode comparecer. Muito simpático e honesto, diga-se, rapidamente verificou que o programa, embora não tivesse a regra SVAT, estava à altura de tudo o resto. A conversa não saía daquilo que o Amaro já sabia, nem sequer a “novidade” de não ser obrigatório lançar as facturas do restaurante, uma a uma, nem a dos combustíveis. Um ano antes, numa quarta-livre, um dos formadores de renome, perante as intervenções de colegas que diziam que não iam perder tempo com isso, logo lhes atirou com o papão, ao garantir que, se não o fizessem, o fisco iria rever a liquidação do imposto pela via de métodos indirectos.

A interessante conversa sobre o tema revelava que o simpático formador até lhe dava razão nas inquietações que ele tinha.

- Sabe - dizia-lhe - eu aqui não tenho grande quantidade, nem de uma nem de outras. No caso dos combustíveis usam os cartões da gasolineira e é raro ter um, mas, na restauração, o que lhe davam eram de valores significativos e tinha, até, optado por ter conta corrente para isso, embora pudesse usar um registo de terceiros.

Claro que não lhe disse que o patrão lhe dava facturas datadas de “domingos ou feriados”, de valores a rondar os 200 euros e, também, não disse que era usual entregar-lhe despesas de um alojamento local em Moledo do Minho, com data de Agosto, no valor de quase três mil euros ou pacotes turísticos para locais paradisíacos de valores semelhantes, com que passou a gratificar os colaboradores, em vez das gratificações de balanço como era prática, sabendo que há mais de vinte anos os salários não são revistos, com a justificação que a empresa pode fechar amanhã. A ideia tinha sido do contabilista do Sampaio, grande amigo do Dias da Cruz, que ele lhe impôs no meio de grandes discussões, humilhações e enxovalhos, e até ameaças de despedimento, quando Amaro tentava dizer-lhe que isso eram remunerações em espécie e deviam ser tributadas em IRS.

- Deviam, disse muito bem Fonseca, mas se o contabilista do Sampaio faz assim, você também faz! Estamos entendidos?

Logo no início que foi para lá, recorda-se de dois ou três casos de grandes discussões com ele e como outro sócio, embora já não abrisse o pio de há uns anos a esta parte.

Certa vez, foi com uns três mil contos, certinhos, para obras, factura dos últimos dias de Dezembro.

 - Diga à Sara que passe um cheque a essa empresa do valor do IVA e de mais 10%. O restante num outro um cheque, para mim.

- Que obras pode justificar e o quê, se aqui só diz obras e, ainda por cima, já tinha feito uma igual há um ano? Questionou o Amaro .

- Então, diz-se que foi a envernizar as madeiras. E Fonseca, o contabilista do Sampaio é que me arranjas estas coisas. Você é que tinha obrigação de andar à procura, não era ele.

- Oh Sr. Dias da Cruz, ao menos passe o cheque pela totalidade à empresa e ela que lhe devolva a sua parte.

- Era o que mais faltava, diga à Sara que faça o cheque ao portador, eu levanto e passo-lhe um dos meus.

Suspirou. Ao menos ele não ficava tão exposto. Numa outra ocasião, queria comprar um carro para oferecer a um dos administradores de uma sociedade anónima e que era responsável por altas transacções comerciais. Bem lhe disse que uma oferta, para ser custo aceite fiscalmente, tinha que ser registada como oferta na outra sociedade e como aquilo era para ser para um administrador era embaraçoso para ele.

- Então faz-se um ALD!

- Oh Sr. Dias da Cruz, já viu se o homem tem um acidente e toda a gente fica a saber que anda com o carro desta empresa?! Não se lembra do acidente do Paulo Portas, com o jaguar da Moderna?!

- E aconteceu-lhe alguma coisa por isso?

- Oh Sr. Dias da Cruz, mas trata-se de uma sociedade anónima. Se lhe quiser dar um carro, dê-lhe do seu bolso! E, mesmo assim, o administrador pode vir a ter problemas com a sociedade!

O contabilista do Sampaio deve-lhe ter arranjado uma solução, de certeza! Porque nunca mais falou do assunto.

Das muitas discussões, ainda houve uma sobre a factura de publicidade estática num estádio de um pequeno grupo de futebol. Claro está, com data de Dezembro.

- Sr. Dias da Cruz, ao menos façam um contrato a dizer que é de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro e com pagamento no último mês.

O Cavaco tinha feito a reforma do imposto sobre o rendimento e a figura do técnico de contas tinha desaparecido e, por isso, todo este tipo de coisas, ou piores, aconteciam com frequência. Certo dia, mais uma vez enaltecendo a enorme inteligência do contabilista do amigo Sampaio, contou-lhe que quando uma das empresas estava a ir para falência, ele o tinha instigado a divorciar-se e, na partilha, tudo ficava para a mulher. Assim, os credores, especialmente a banca, não tinham onde pegar. Vai daí, fez também, a doação das quotas aos filhos. Tudo por sugestão do contabilista do Sampaio. Aquilo é que era, comigo nem me avisava.

Lembrou-lhe que isso era falta de ética do colega e que, para cúmulo, gorava as espectativas dos credores.

- E depois Fonseca, perdia tudo?! Consigo não posso contar eu.

Que falta que fazia, na altura, uma câmara ou uma ordem profissional, para que os dirigentes fizessem o apelo à ética …  dando como exemplo O SEU PRÓPRIO EXEMPLO! Que falta fazia! Que falta, lamentava o Amaro.

 

Claro que não disse nada disto ao colega, até porque, com os anos, as coisas deixaram de ter esta gravidade. Eram outras gravidades, mais fracas, mas que o eram. Ainda ficou entusiasmado com a ideia de, indo estas coisas no SAF-T, podia ser que o patrão se assustasse ou o fisco pedisse para ver essas datas e essas despesas. Assim a monte, só numa acção inspectiva e se estivessem virados para isso.

Disparou, então, ao colega-formador:

- Se a justificação são as instruções aos anexos de clientes e fornecedores, que lógica tem excluir esses detalhes que podem ter valores significativos, nomeadamente a identificação do fornecedor e a data do documento externo, mas incluir a compra de um tinteiro na papelaria da esquina?

Desta vez o formador não foi consultar o manual que trazia e que o ajudava a responder às perguntas mais frequentes. Limitou-se a encolher os ombros e a concordar com ele, quando Amaro lhe diz que isso dos anexos será sol de pouca dura, porque o fisco até tem isso desde 2013 e nos anexos excluem-se facturas tendo em conta a natureza de cada uma delas e uma coisa não dá com a outra.

- Talvez para apanhar agora os mais cépticos e daqui a um ano ou dois metem a faca, vai ver, disse-lhe Amaro.

A conversa ia agradável e simpática, quando Amaro lhe pergunta se tem alguma formação específica de formador.

- Não tenho! – respondeu.

Participou em 3 ou 4 reuniões para preparar estas acções. Honesto, disse, ainda, que estava inscrito na Ordem desde 1997, aproveitando aquela abertura que na altura foi feita, uma vez que já há alguns anos os exames da então DGCI tinham sido suspensos.

Ao fim de 2 horas, e quando já se estava a despedir veio ter com ele uma colega, para irem a uma sessão num gabinete que havia dois andares acima.

Muito sorridente, a colega espetou-lhe dois beijos na face e apresentou-se:

- O meu nome é Maria Branca Andrade, mas todos me conhecem por Mizí Andrade, ajeitando  a mise, ora com uma mão, ora com a outra, enquanto se apresentava.

Sim, lembra-se dela quando nas eleições estava sempre à porta das quarta-livres a distribuir os papéis da Paula Franco.

- Ai lembra-se mim? Dê cá mais dois beijinhos colega. Já está inscrito no nosso congresso para Setembro, colega?

- Não tenciono ir, tem demasiados assuntos que não vejo qualquer relação com a profissão.

- Não diga isso, vai ver que até o programa Governo Sombra vai falar de nós!

- Não me entusiasmo com isso.

- Mas às Caldas vai, pode levar a sua esposa e são só dez euros a cada um.

- Muito obrigado, mas sou viúvo!

- Então está na hora de ir, quem sabe se não arranja uma colega viúva ou divorciada? E de novo ajeitando a mise ….

- Na hora em que a minha esposa faleceu com a sua mão na minha, prometi-lhe fidelidade eterna …

- …  este nosso colega foi fantástico nas explicações que lhe deu, não foi? Está satisfeito, não está?

- Sim, ele foi muito simpático e cordial. Tenham uma boa tarde de trabalho, porque o meu patrão não está a gostar de eu estar aqui na conversa.

- Não se esqueça, colega, que temos uma grande equipa na Ordem, rematou a Mizí, antes do Fonseca fechar a porta.

Sentou-se na secretária e sorriu. Claro que a conhecia. De quando em vez, fazia umas perguntas à mesa, ora escritas ora verbais. Francamente, só se lembrava de uma há meia dúzia de meses.

Tinha levado um papel qualquer e queria saber como foi calculado o IVA. A formadora, que é um quadro do fisco, leu linha a linha e disse-lhe: - “ó minha querida, isto está certo!”

- "Desde quando o IVA incide sobre outros impostos?!," questionou a Mizí, do alto da sua infinita sabedoria.

A frase deixou a técnica a gaguejar e cá atrás, onde Amaro se sentava, a troca de olhares atónicos provocou algumas risadas contidas e cabeças abanadas ligeiramente.

Pensou, agora sentado e a recordar a cena, o que vale é que estes colegas fazem isto como bons samaritanos e estas formações não devem ter grandes encargos para a instituição e, por isso mesmo, são de aproveitar.

Felizmente, a viagem terminou e foi a casa, antes de ir para o trabalho. Por hoje, ficamos por aqui, pensou Amaro!

 

 

 

 

Parte segunda

 

De manhã, por volta das 9 horas, lá apanhou o barco para a outra margem. Era sexta-feira e havia pouco movimento.

Sentou-se num dos bancos junto a uma janela com a máscara que tinha colocado ao sair de casa, numa zona em que controlava o espaço e não fosse necessário mudar para um lugar mais seguro. Queria ver se conseguia visualizar um ou mais golfinhos que começaram a visitar de novo o Tejo.

Entrou um grupo, com máscaras vermelhas e com foices e martelos muito pequenos. Os mais jovens, vinham com camisolas vermelhas com o rosto do Che estampado a preto. Sorriu, lembrava-se das discussões acaloradas dos “revisas”, como eram conhecidos à época e como estes consideravam o médico-guerrilheiro um “pequeno-burguês de fachada socialista”. Um dos seus grandes amigos da escola, que era da LUAR, lá o actualizava sobre estas discussões, com ele na defesa do Che, pois claro. Se estes jovens tivessem a memória desses tempos …

Uma “camarada” mais entradote, com “voz de cabeça”, certamente professora primária, ia dizendo aos outros:

- “camaradas”, agora a Carvalhesa é assim … com distanciamento “camaradas”, com distanciamento e ria-se a bom rir.

Amaro lera há dias uma declaração do Rui Pato, que foi o grande acompanhador do Zeca Afonso, ambos grandes músicos e ambos sem formação musical, do ponto de vista técnico. 

(Quando, há uns anitos, lhe perguntaram como aprendeu a tocar viola, a resposta foi pronta:- Foi com o professor Grundig, levantava a agulha e pousava a agulha!)

Dizia o pneumologista Rui Pato que a festa era segura, porque o partido comunista é um exímio organizador e tem muita disciplina.

Amaro pensou para si, oh! Doutor, tal como você, não sou daquele partido, e também nutro muita simpatia pelo trabalho que fazem, mas, neste caso, até me parece que vão perder votos, com tanta insistência em fazer a festa da Atalaia. Será Doutor, que essa garantia é suficiente?! Será que vai propor ao Santuário de Fátima que contrate o PCP para fazer com segurança o 13 de Outubro ou ao Vieira para organizar os jogos na luz?! Claro, sempre com a redução a um terço da capacidade. E sempre cobriam a perda de receita!

Sim, Amaro também acompanhava a actividade deles e só uma vez tinha votado na CDU, para a Câmara, quando os partidos à sua direita se juntaram para lhes tirar a presidência. Achou aquilo uma badalhoquice política e ajudou-os a ganhar.

Mas, sabia que os comunistas, em termos da profissão, eram muito activos, a eles se devendo a obrigação do SAF-T contabilidade ser por Decreto-lei e não por portaria. Sim, a proposta final foi do PSD, mas se eles não tivessem arriscado e, até, tentado chamar o Decreto-lei anterior à apreciação parlamentar, aquilo não tinha sido conseguido.

Era ver o PCP a fazer tantas iniciativas, muitas delas acabando por não passar no parlamento, mas, pelo menos, tentavam.

Aliás, tal como o CDS, partido igualmente muito activo nesta área, de quem, aliás, nasceu a obrigação de o fisco disponibilizar no seu portal da internet as matrizes das declarações fiscais com 120 dias de antecedência. Mas, como estas coisas não aparecem na comunicação social, ambos os partidos foram injustamente penalizados nas urnas, embora muito mais o CDS. Amaro achava isso uma grande injustiça.

Foi do PCP a iniciativa do Justo Impedimento. Ficou genericamente no Orçamento. E como isso lhe era caro.

 

Guida, sua esposa, tinha ido fazer mais uma mamografia de rotina. Por norma, o técnico costumava dizer que estava tudo normal. Desta vez, era um que lhe pareceu mais sisudo e quando ela perguntou como estava o exame, ele limitou-se a dizer secamente que o resultado era enviado ao seu médico, como era normal quando era feito no hospital. Foi à consulta sozinha, como era habitual. Fonseca chegou a casa e foi encontrá-la no quarto lavada em lágrimas. O médico disse-lhe que tinha um caroço na mama esquerda, mas queria fazer uma TAC geral, havia ali uma dúvida. Por precaução, já na segunda-feira seguinte ia começar um tratamento. Choraram os dois. Fonseca disse-lhe que mesmo que tivesse que removê-la, seria sempre a sua Guida.

- Nunca pude dar-te filhos como querias, alguma vez me trocaste? E podias, não podias? Por que havia de te fazer isso?! Não sejas parva-

Adormeceram agarrados, sem jantar.

No dia de saber o resultado da TAC, fez questão de acompanhá-la. O médico disse-lhes que a neoplasia tinha metastizado e que iam fazer tudo o que estava ao alcance para rapidamente reverter o seu estado. - Confie no nosso serviço.

A pretexto de dar indicações sobre tratamento, pediu a Amaro que ficassem a sós porque a esposa não teria cabeça para estar atenta a tanta recomendação. A sós, Amaro recebeu uma enorme facada no peito. A sua Guida, a sua querida Guida, não teria mais de 6 meses de vida.

Chegou a casa e fechou-se na casa de banho. Chorou. Limpou as lágrimas e foi ter com ela e garantiu-lhe que demorasse o tempo que demorasse ela iria ficar bem e que estaria sempre a seu lado. Convenceu o patrão a ir trabalhar de manhã, para poder ir com ela aos tratamentos.

Ao bater os seis meses, Guida foi internada em estado grave. Era dia 1. Tinha falado com Dias da Cruz que iria já fazer o IVA, a Segurança Social e a DMR.

- O IVA não! - respondeu-lhe.

Faltava uma factura que o fornecedor ainda não lhe tinha feito chegar e não ia pagar o IVA a mais.

- Além disso, Fonseca, ainda falta muito para o dia 10!

A sua Guida dava o último suspiro ao final da tarde daquele sábado dia 8, nos cuidados paliativos e de mão segura na dele.

Segunda-feira, pelas 9 da manhã, no velório, Dias da Cruz apareceu com ar grave e com um ramo na mão. Deu-lhe um abraço de circunstância. Pediu-lhe desculpa, mas tinha uma reunião às 16 horas e não podia estar no funeral. Meteu-lhe na mão a factura em falta. Deu meia volta e saiu.

Amaro disse aos cunhados que tinha que ir ao escritório mandar a declaração do IVA que, entretanto, nunca mais se tinha lembrado. Explicou aos cunhados que ele tinha tentado fazê-la no dia 1, mas o patrão lhe disse que faltava uma factura para deduzir o IVA.

- Não há uma tolerância para estes casos?! perguntou-lhe a cunhada.

- Haver, há, mas, primeiro, tem que passar para a fase de contencioso e fica dependente da boa vontade do chefe do serviço de finanças, como ela faleceu no sábado, é um risco.

- E quanto é a multa?

- Muito mais elevada do que estes trezentos euros do IVA desta factura.

- Ele que a pague!

- Ele sabe que tenho um seguro da Ordem. Um dia disse-me que sabia que havia esse seguro, porque um amigo dele, o Sampaio, que ele idolatrava, não pagou um pagamento especial por conta de IRC e que disse ao seu contabilista que se quisesse continuar com o cliente que accionasse o seguro da Ordem. Eram 12.000 euros de coima e, pelos vistos, o meu colega assumiu, pois, apesar de emitido as guias de pagamento, tinha-se "esquecido" de as enviar ao cliente, terá argumentado na participação.

- E tu, não o queres accionar?

- Não, por razões de ética, ainda por cima quando o erro não era dele e jamais ia assumi-lo como seu.

- Mas, pelo código do trabalho, isso não era responsabilidade do teu patrão?!

- É, mas como existe o da Ordem, que também abrange os que estão em contrato de trabalho, é uma guerra inútil que não quero ter.

- E se ele não está lá, como vai pagar?

- Deixa sempre o cheque passado aos correios, com data do último dia. Só quer que se vá pagar ao final da tarde, para o cheque estar mais um dia na conta.

- Somítico!

- A quem o dizes.

- Amaro, de quanto tempo precisas homem?

- Meia hora, no máximo.

- Vamos lá. Digam que ele se sentiu indisposto e foi a casa tomar a medicação.

Nessa hora, Amaro Sá Fonseca rogou pragas ao patrão, ao Fisco e, sobretudo, à Ordem, pois sabia que há meia dúzia de anos tinham sido feitas duas tentativas de fazer entrar o conceito do justo impedimento na lei e eles tinham boicotado e se naquele dia ele teve de abandonar o velório, a eles - somente a todos eles, dirigentes e a toda a estrutura da instituição - o “deve”. Que ardam todos no inferno. Todos eles, frisou.

E se assim pensava há quatro anos, assim pensa agora. Há um ano que o conceito entrou na lei e há um ano que está por regular. Havia propostas concretas, mas quiseram fazer tantas flores por razões de egocentricidade que, segundo a bastonária, o fisco só quer aplicá-lo à IES e à modelo 22. Claro, se até uns diazinhos para o nojo de cunhados meteram, estavam à espera de quê?! O sol na eira e a chuva no nabal?!

Nem incluíram a morte do contabilista. Era um assunto do sujeito passivo, argumentou a bastonária no parlamento. Amaro, quando ouviu, logo concluiu que isso era a prova de que nunca tiveram interesse no tema. O Dias da Cruz já há algum tempo que lhe dizia que devia ter a contabilidade num grande gabinete, como o Sampaio tinha. Se um dia o contabilista morre, eles têm lá outro para continuar. E, claro, se é verdade para isso, também o é para o resto, um funeral, uma doença, até para as férias. Com bom rigor, pensava Amaro, tudo isto deveria ficado no justo impedimento, e até a morte, mas só para os contabilistas trabalhadores dependentes ou para os que exercem a profissão de forma isolada, em sociedade ou não. E para  quem exerce com outros profissionais, nenhuma destas situações deveriam poder ser accionadas. As grandes empresas estavam “fritas” se não tivessem outros profissionais que, em qualquer momento, dessem continuidade ao trabalho em caso de necessidade. Se o processo declarativo ficasse dependente do uso na "ranhura" do cartão de cidadão, ele queria ver se outros até com a morte não ficavam preocupados.

 

 

O barco atracou e ele foi sentar-se num banco de jardim a queimar o tempo que faltava para as onze. Quando chegou a sua vez, entrou e sentou-se numa cadeira presa ao chão, para impor distância. Um funcionário, visivelmente arrogante e com pouca vontade de estar ali no atendimento, disparou-lhe:

- O Senhor é que é Mário Luís Dias da Cruz?

- Muito bom dia para si. Não, eu sou funcionário dele. Sou o contabilista da empresa.

- Trouxe procuração? Só posso atendê-lo com uma procuração.

- Pode confirmar na DMR da empresa, quer o meu número fiscal, quer o dele.

- Sabia que podia apresentar uma declaração de alterações?

- Se, da vossa análise, se concluir ser necessário, assim será feito e de acordo com a vossa interpretação. Se me permite, vou dar-lhe as duas escrituras. Atirou-as para cima da secretária, de modo a manter o distanciamento.

E lá lhe deu a explicação e o mapa que a Drª Conceição lhe tinha feito há quase um ano.

Foi ouvindo e verificando os nomes e a sequência com a ajuda dos sublinhados florescentes, que Amaro teve o cuidado de fazer. Levantou-se e levando tudo com ele, pronunciou um lacónico “venho já!”.

Ao fim de uns cinquenta minutos, regressou. Perguntou se podia tirar fotocópias a tudo, mas Amaro descansou-o, que eram para deixar, temos outras cópias. Sem lhe agradecer, disse-lhe que, pelo chefe - talvez não por ele -, a situação ficava regularizada e o reembolso ficava desbloqueado.

- Desculpe, para ficar regularizada, isso quer dizer que há alguma irregularidade ou o que fizeram foi analisar e concluíram que nada havia a regularizar?!

Arregalou-lhe os olhos e pronunciou pausadamente: - A declaração está agora regularizada!

- Eu sei que é essa linguagem que utilizam, mas não entendível ao cidadão comum. De qualquer forma, tenha a continuação de um bom dia, muito obrigado e, por favor, transmita-os, também, ao seu chefe.

Retirou-se. Ao sair, teve vontade de tirar a máscara para inspirar profundamente. Vou apanhar o barco, almoçar em casa e fazer uma sesta, assim pensou Amaro enquanto caminhava.

- O Dias da Cruz que vá a badamerda! Sussurrou para si.

                                                                       

                                                                               ***

Coro de pais do conservatório de musica do porto, com a participação de 2 dos 3 membros da Ordem dos Contabilistas que por lá andam e que serviu também para uma homenagem ao Senhor Adriano, que faleceu no início de Abril, passado.