Comunidade TOC

Comunidade TOC
Fóruns de discussão de assuntos profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas

terça-feira, 18 de março de 2008

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 01057/07

27-02-2008

Tribunal: 2 SECÇÃO

Relator: MIRANDA PACHECO

Descritores: REVERSÃO DA EXECUÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
FALÊNCIA
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INCONSTITUCIONALIDADE

Sumário: I - A declaração de falência (artigos 141.º, 146.º do CSC e 147.º e seguintes do CPEREF, equivale à morte do infractor, tanto o disposto nos artigos 61.º e 62.º do RGIT, 193.º, 194.º e 260.º, n.º 2, º, alínea a) do CPT e 176.º, n.º 2, alínea a) do CPPT, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento das coimas e da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva.
II - Por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas (artigo 30.º, n.º 3 da CRP) e da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2 da CRP), enferma de inconstitucionalidade material a previsão normativa constante do artigo 8.º do RGTI, relativa à responsabilidade subsidiária pelo pagamento de coimas dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração das
pessoas colectivas extintas.

retirado do INFORMADOR FISCAL DE 17 DE MARÇO
17-3-2008
Fiscalidade
Fiscalistas defendem que é "um passo na defesa das garantias dos contribuintes"

--------------------------------------------------------------------------------

Fiscalistas defendem que é "um passo na defesa das garantias dos contribuintes"
Depoimentos de Rogério Fernandes Ferreira, António Carlos Santos e Pedro AmorimVítor Costa [17.03.2008 - 08h46]

Para Rogério Fernandes Ferreira, a decisão do STA "é um importante passo na defesa dos direitos e garantias dos contribuintes.

1.No Acórdão de 27 de Fevereiro de 2008 proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (Processo 1057/07) foi, em síntese, sufragado o entendimento segundo o qual a declaração de falência equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional e, consequentemente, da obrigação do pagamento das coimas e da execução fiscal tendente à sua cobrança coerciva, sustentando ainda que a previsão normativa (constante do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias) relativa à responsabilidade subsidiária pelo pagamento de coimas dos administradores, gerentes ou outras pessoas quando relativa à administração das pessoas colectivas extintas enferma de inconstitucionalidade material.
2.A questão da equiparação da declaração de falência à morte do infractor não é nova na jurisprudência. Já em Acórdão de 21 de Janeiro de 2003 (Processo n.º 01895/02) foi entendido que “A dissolução, por declaração de falência (cfr. art.º 141º a 146º do CSCe 147º e segts. do CPEREF), da sociedade arguida de coima fiscal é, para os apontados efeitos de extinção do procedimento contra-ordenacional, das coimas e sanções pecuniárias acessórias e da eventual e respectiva execução fiscal, equivalente à morte do infractor (cfr. artigos 61º e 62º do RGIT, 193º e 194º do CPT, 260º n.º 2 al. a) do CPT e 176º n.º 2 al. a) do CPPT)” (in www.dgsi.pt), e no mesmo sentido, temos ainda os Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 26 de Fevereiro de 2003 e em 2 de Maio de 2007 (respectivamente, Processos n.ºs 01891/02 e 01105/06).

3.Já no que respeita à questão da inconstitucionalidade material da previsão normativa constante do (artigo 8.º do) Regime Geral das Infracções Tributárias e em relação à responsabilidade subsidiária pelo pagamento de multas e coimas, o presente Acórdão vem, de forma inequívoca, confirmar um entendimento que também tem sido defendido pela doutrina e que começava, já, a nortear as decisões deste Tribunal superior. Na verdade, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 2007 (Processo n.º 01105/06), abordava já problema, ao entender que “Quanto à responsabilidade pelas coimas, importa ter em atenção o que a propósito escreve o Exmº Conselheiro Jorge Sousa, in ob. cit., pág. 698: “a responsabilidade dos sucessores do executado originário ou dos responsáveis solidários ou subsidiários não existirá nos casos em que a execução tem por objecto decisão de condenação em coima ou sanção acessória pecuniária aplicadas pela prática de contra-ordenação fiscal.”.

4.O reconhecimento – expresso - por parte do Supremo Tribunal Administrativo da inconstitucionalidade do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, nesse segmento, não pode deixar de ser considerado um importante passo na defesa dos direitos e garantias dos contribuintes, que não deverá passar despercebido ao legislador e, agora, também à Administração tributária: os objectivos de cobrança não podem justificar a manutenção na ordem jurídica de uma norma violadora de princípios constitucionais. Num período em que a discussão sobre os direitos e garantias dos contribuintes está, claramente, na ordem do dia, é importante que os tribunais e também o legislador e a Administração passem a mensagem que também se encontram atentos a estas questões e que são capazes de uma resposta adequada e rápida, quando estão em causa matérias tão sensíveis.

5.Com efeito, a responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários nos termos previstos naquele artigo do Regime Geral das Infracções Tributárias não pode deixar de ser interpretada como uma transmissão do dever de cumprimento da sanção, para terceiros, que não o responsável pela infracção, sobre a forma da responsabilidade pelo pagamento das multas e coimas, quando nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, “a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”. E a reversão das coimas, ainda que sob a capa de responsabilidade civil, mais não é do que a transmissão da responsabilidade penal, pelo que é parece manifesta a violação dos princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência, invocados no Acórdão em análise.

6. Acresce que, em nossa opinião, sempre seria duvidosa a possibilidade de utilização do mecanismo da reversão, para efectivar a responsabilidade civil pelas multas e coimas consagrada no Regime Geral das Infracções Tributárias. O regime da responsabilidade tributária, tal como esta se encontra configurada no (artigo 22.º) da Lei Geral Tributária, restringe-se à “dívida tributária”, e não a quaisquer outras realidades não integráveis neste conceito. Ora, o conceito de tributo (fixado no artigo 3.º, n.º 2) daquela Lei Geral Tributária compreende, apenas, “os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”. Sendo a reversão um mecanismo de efectivação daquela responsabilidade estará, pois, naturalmente, limitada aos casos em que esta é admitida e, portanto, aos casos em que está em causa uma “dívida tributária” - e a coima não reveste a natureza tributária prevista no artigo (3.º, n.º 2) em causa da Lei Geral Tributária.

António Carlos Santos, é sensível a intransmissibilidade das penas

Sem tempo para uma análise mais funda do acórdão, devo dizer que sou sensível à argumentação do STA, em particular ao argumento da intransmissibilidade das penas.

Estamos, porém, no domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade (art. 280 n.º 1 al a) da Constituição), sujeita pois a recurso. Ora o TC só pode declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma norma quando ele a tenha julgado inconstitucional em 3 casos concretos. Só nessa altura a norma será erradicada (modificada) do RGIT (281, 3 da CRP). Até lá, as decisões só valerão para o caso concreto.

Pedro Amorim, fiscalista

Convirá lermos este Acórdão de 27 de Março de 2008 do STA com alguma prudência, desde logo porque o Ministério Público irá obrigatoriamente recorrer para o Tribunal Constitucional (TC), sendo a decisão deste tribunal imprevisível, entre outras razões, por força da sua composição política.

Trata-se, sem dúvida, de uma decisão corajosa do STA, que considerou que mesmo o facto de a coima ter sido aplicada em momento anterior ao da declaração de falência (que o tribunal equipara à morte do infractor), não obsta à extinção da responsabilidade subsidiária pelo pagamento de coimas dos administradores ou gerentes.

O STA já se tinha pronunciado em sentido semelhante em 2 de Maio de 2007 (no Proc. 01105/06) quando considerou que “a responsabilidade dos sucessores do executado originário ou dos responsáveis solidários ou subsidiários não existirá nos casos em que a execução tem por objecto decisão de condenação em coima ou sanção acessória pecuniária aplicadas pela prática de contra-ordenação fiscal”.

Embora dependentes da decisão do TC, estes Acórdãos não deixam no entanto de ser uma boa notícia para os administradores e gerentes das sociedades (e para os seus advogados), que passam a os poder invocar sempre que lhes forem exigidas coimas originalmente devidas por sociedades entretanto declaradas falidas.

É bom não esquecermos que os administradores e gerentes são muitas vezes confrontados com reversões de execução de duvidosa legalidade, onde a DGCI nem sequer se preocupa em demonstrar que a sociedade não tem bens que ainda lhe permitam pagar as suas dívidas fiscais. Hoje as reversões (tal como a penhoras) são feitas quase automaticamente pelo sistema informático da DGCI, ora se o sistema informático fosse aluno de uma qualquer Faculdade de Direito muito dificilmente chegaria aos 5 valores (numa escala de 1 a 20).

Uma última nota, para referir que cada vez mais me deixa perplexo o oscilação da jurisprudência do STA, aparecem acórdãos completamente alinhados com as posições do Fisco (e que por vezes até vão mais longe, como um recente acórdão que pura e simplesmente ignorou a mudança da Lei do OE 2008, com efeitos retroactivos, relativamente à prova de residência para aplicação das Convenções) e outros acórdãos, como estes relativos à intransmissibilidade das coimas, que ainda nos fazem acreditar que ainda existe “justiça fiscal” ou que ainda vigora o princípio da separação de poderes.




Fonte: O Público

Sem comentários: