Comunidade TOC

Comunidade TOC
Fóruns de discussão de assuntos profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

CODIGO CONTRIBUTIVO * CONCEITO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

DOCUMENTO ELABORADO POR UM GRUPO DE COLEGAS

ALTERAÇÕES AO CÓDIGO CONTRIBUTIVO
Introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 2/2018 de 9 de janeiro

Importa voltar ao ponto de partida e recordar o documento de trabalho de 22 de Abril de 2008 do Ministério do Trabalho:

“Nesse sentido, o Governo propõe:
• cometer às empresas utilizadoras dos serviços de trabalhadores abrangidos pelo regime de trabalho independente uma parcela de 5 pontos percentuais da taxa contributiva, calculada sobre a presunção de rendimento decorrente do regime a vigorar, que hoje é totalmente suportada por aqueles trabalhadores.”
In documento de trabalho de 22 de Abril de-2008



Esta proposta, por um lado, parece querer penalizar os chamados “falsos recibos verdes”. Por outro lado, parece querer alargar a aplicação de taxas contributivas ao adquirente de serviços em geral, estabelecendo uma comparação com aquilo que acontece no trabalho assalariado nas empresas e nos trabalhadores domésticos.

Paralelamente, pretende-se utilizar na Segurança Social o cálculo das bases contributivas baseadas em percentagens do volume de negócio, à semelhança do que acontece no regime simplificado em IRS.

Estas ideias, algumas já transpostas para a lei em vigor, têm ignorado factos e problemas muito relevantes. Em resumo, chamamos a atenção para cinco questões:

(1)   O conceito difuso e subjetivo de prestação de serviços.
(2)   A diferença entre valor contratado e rendimento efetivo.
(3)   As especificidades que distinguem o contrato de trabalho dos contratos de compra e venda ou prestação de serviços.
(4)   Os problemas de transparência e de concorrência.
(5)   A dificuldade prática de generalizar o pagamento de contribuições em cada contrato.

O conceito difuso e subjetivo de prestação de serviços
De uma forma simples, podemos dizer que a prestação de um trabalhador assalariado consiste em efetuar um trabalho, para o qual é requerido um esforço físico ou intelectual. As atividades de prestação de serviços situam-se próximas desta realidade, no sentido em que nelas se executam trabalhos, mas resultando de um diferente vínculo contratual. Inversamente, na atividade comercial ou industrial estamos perante a mera troca de bens, produzidos ou comprados, por dinheiro. Contudo, esta ideia assenta em meros estereótipos que não resistem à observação da realidade. Com efeito, tudo é serviço.

Vejamos o comércio de carne. Trata-se de comércio puro, dir-se-á. Contudo, o talhante, ao vender carne, presta um serviço. Ele executa um trabalho, isto é, despende esforço físico e intelectual (eis o serviço!) de organizar e gerir um estabelecimento, efetuar compras, armazenar a carne, cumprir um horário de atendimento dos clientes, cortar as peças de carne de acordo com a qualidade encomendada, pesar, embalar, etc., etc. Numa perspetiva mais ampla, o comércio em geral não é mais do que um conjunto de serviços que soluciona duas dificuldades do consumidor: uma espacial, o acesso a bens produzidos à distância (transporte) e uma temporal, o acesso no momento em que se pretende consumir (armazenamento).

Por sua vez, ao realizar uma obra de construção, o empreiteiro presta um serviço. É assim que, juridicamente, se encontra definido o contrato de empreitada. No entanto, tal como o talhante, o empreiteiro faz comércio, pois, compra bens, que depois manipula, transforma e fatura como componente do preço final da empreitada.
Por este ponto de vista, as diferenças entre o comerciante de carne e o prestador de serviços de empreitada são, afinal, menores do que as semelhanças. Ambos fazem compra e venda de bens, ambos adquirem serviços necessários à atividade (seguros, comunicações, etc.) e ambos trabalham. Ora, esta complexidade existe, em maior ou menor grau, em qualquer atividade económica.

Vejamos, ainda, mais dois exemplos. Quando trocamos os pneus a um automóvel, o vendedor executa vários trabalhos (desmontagem, montagem, calibragem, eventualmente alinhamento da direção). O preço final paga tudo isto, o comércio dos pneus e os serviços complementares. Pensemos, agora, num construtor que constrói um muro. Ele pega em tijolos, cimento e tinta, e transforma-os num produto final, um muro, que vende ao cliente. O construtor fez exatamente o mesmo que o industrial: transformou matérias-primas num produto acabado. Mas, para efeitos de tributação, fez um “serviço de construção”.

Na realidade, a distinção entre indústria, comércio e serviços é artificial, feita com propósitos jurídicos, estatísticos e outros, não atendendo a uma especificidade inequívoca das suas caraterísticas, nomeadamente no que diz respeito à utilização de bens e ao esforço físico e intelectual que qualquer atividade económica exige.

O regime contributivo dos trabalhadores independentes, bem como a legislação fiscal, têm esbarrado, sistematicamente, nesta dificuldade, nomeadamente no que diz respeito às retenções na fonte, às regras de faturação em IVA e ao cálculo do rendimento relevante. O artigo 4.º do CIRS, por exemplo, pretende distinguir o estranho conceito de serviços-que-não-são-serviços, acabando por fazer uma enumeração meramente exemplificativa. A confusão é enorme.

Ou seja, se se pretende que, nos contratos comerciais, os adquirentes fiquem sujeitos a obrigações contributivas, então, todas as atividades sem exceção deveriam ser incluídas e não apenas aquelas que, erradamente, se julgam ser exclusivamente serviços, tendo em conta a sua designação ou uma classificação que é artificial.

A diferença entre valor contratado e rendimento efetivo
Muitas atividades geram um valor acrescentado relativamente grande, pois consistem em serviços que exigem uma diminuta incorporação de bens ou de serviços adquiridos a terceiros. É, em geral, o que acontece com as denominadas profissões liberais, definidas no artigo 151.º e na tabela anexa do CIRS. Mas, como vimos no exemplo das empreitadas de construção, o prestador de serviços pode incorporar no preço da empreitada um valor considerável de bens e de serviços que não foi ele que produziu. Isto não acontece só nos “serviços” de construção, isto é, no pintor, no canalizador ou no pedreiro. Acontece, também, no cabeleireiro, no taxista e em muitas outras atividades. Não é possível, portanto, determinar o rendimento real, aquele que é relevante para efeitos contributivos, a partir do valor faturado dos contratos realizados.
É, também, incompreensível que se pretenda comparar esta realidade com os contratos de trabalho, onde o valor da contraprestação corresponde a trabalho puro.

As contribuições para a Segurança Social têm de ser calculadas com base no rendimento efetivo das empresas e não com base no valor das operações faturadas. No entanto, admitindo a existência da utilização de métodos simplificados, verifica-se que os conceitos de rendimento tributável em sede de IRS e de rendimento relevante para efeitos do Código Contributivo são bastante divergentes e deveriam sofrer a mesma aproximação que em 2009, com a aprovação deste Código, se fez no regime geral, com o rendimento do trabalho dependente em IRS.

Assim, o Código Contributivo deveria remeter para a aplicação das taxas prevista no artigo 31º do Código do IRS (regime simplificado):
·       0,15 para a venda de mercadorias e produtos e não os 20%;
·       0,75 para as atividades elencadas na lista anexa do IRS e não os 70%;
·       0,35 para as restantes prestações e não os 70%
Deveria, também, considerar tudo o que está previsto em todo o artigo 31º, incluindo as limitações.
As especificidades próprias que distinguem o contrato de trabalho dos contratos de compra e venda ou prestação de serviços.
A comparação das atividades de serviços com os contratos de trabalho é, também, desadequada devido às especificidades das situações. Perante situações de risco, como a doença, a invalidez ou o desemprego, o Estado garante proteção social aos trabalhadores assalariados. Tal não acontece, de forma igual, com os empresários e os profissionais individuais. Mas, acima de tudo, a proteção social ignora o risco económico inerente à manutenção de uma empresa. O empresário, independentemente do valor que fature e receba, pode ter rendimentos anuais muito variáveis ao longo do tempo. E pode mesmo ter prejuízos, os quais vão ser suportados pelos rendimentos obtidos noutros anos. Mas esta situação é ignorada pela proteção social, que neste momento afirma: “Há vendas? Tributem-se! Há prejuízos? Ignorem-se!”.

Contrariamente, os assalariados, desde que trabalhem e recebam o seu salário, têm garantido um rendimento exatamente igual a esse salário. Estamos, portanto, perante realidades distintas, não comparáveis, para efeitos de sujeição a uma mesma lógica contributiva.

Os problemas de transparência e de concorrência
Imaginemos uma empresa que contrata os serviços de um profissional individual, tendo sido acordado o preço de 3.000 euros. No final do ano, verifica-se que estes 3.000 euros representam 60% da faturação do profissional, pois, além deste serviço, ele só faturou mais 2.000 euros. Há muitas razões para que isto possa acontecer. Por exemplo, o prestador do serviço fez evasão fiscal, ou morreu, ou cessou a atividade, ou estava em início de atividade, ou faz pouco serviço porque tem outras fontes de rendimento. Assim, no final do ano vem a Segurança Social exigir à empresa o pagamento de mais 210 euros (7%). E poderiam ser 300 (10%), caso a faturação do profissional fosse ainda menor. Isto é uma coisa completamente absurda. Não existe transparência nem segurança contratuais no mercado. O preço, afinal, não é o acordado pelos contratantes, fica dependente do acaso. Se o prestador de serviço foge ao fisco, esta contribuição é ainda uma intolerável injustiça em termos cívicos, pois quem sofre as consequências da fuga é a entidade contratante que exigiu fatura.

Imaginemos agora um contabilista que, de forma independente, faz serviço a 10 empresas, cobrando uma avença mensal de 250 euros a cada uma. A sua faturação mensal é, portanto, de 2.500 euros. Neste caso, nenhuma das empresas é chamada a contribuir para a Segurança Social. Consideremos agora outro contabilista que, de forma também independente, faz serviço a 5 empresas. À empresa Alfa, que é relativamente grande, cobra 1.500 euros mensais, faturando 250 a cada uma das quatro restantes. A sua faturação mensal é, portanto, igual à do primeiro contabilista: 2.500 euros. Contudo, a empresa Alfa é obrigada a contribuir para a Segurança Social com 105 euros mensais (7%), 1.260 euros anuais, enquanto as outras 14 empresas (de ambos os contabilistas) não contribuem.

Estes exemplos mostram que a lei em vigor distorce arbitrariamente a realidade, originando encargos adicionais a algumas empresas sem qualquer fundamento coerente e racional, quer do ponto de vista económico, quer em termos de equidade social.

Mas, mesmo que não existissem estas distorções, a lei atual inquina, de forma inaceitável, a livre concorrência. Com efeito, nos casos em que há transparência na situação contratual, a entidade contratante, para não suportar o encargo, tenderá a deixar de recorrer aos serviços destes profissionais, procurando outros que não a onerem enquanto empresa contratante ou, simplesmente, contratando apenas com sociedades comerciais a quem este regime não se aplica. Esta opção contribui para a destruição da atividade de entidades singulares no tecido empresarial. Os profissionais individuais enfrentam, portanto, uma situação legal que distorce a concorrência.

Acontece que os efeitos legais resultantes da distinção entre empresários individuais e sociedades têm sido, em muitos casos, anedóticos. O reconhecimento jurídico das sociedades unipessoais veio simplificar, ainda mais, o processo, sempre existente, de “transformar” as atividades individuais em sociedades. Esta “transformação”, na substância, mantém tudo igual na estrutura empresarial existente, apenas muda o nome jurídico da empresa. As transformações, de facto, só ocorrem a nível contributivo. Que lógica e que justiça existem neste tratamento tão diferenciado?

A dificuldade prática de generalizar o pagamento de contribuições em cada contrato
Ultrapassemos todas estas dificuldades e suponhamos que seria possível sujeitar todos os serviços adquiridos à comparticipação de uma taxa, independentemente do tipo de adquirente. A cobrança dessa taxa seria tecnicamente viável? Vejamos alguns exemplos:

Nos serviços do médico, dentista, veterinário, enfermeiro, fisioterapeuta, psicólogo, notário, advogado, solicitador, explicador ou ama, cujo valor seja de 50 €, por mero exemplo, e partindo do princípio da sujeição da taxa de 10%, antes do IVA, caso exista, seria prático e exequível os adquirentes entregarem à Segurança Social os 4 ou 5 euros exigidos em cada serviço?

E pensemos em serviços cujo valor é inferior ou pouco excede os 10 €. Cabeleireiros, barbeiros, lavandarias, cafetarias, lavagens de automóveis, pequenas reparações de eletrodomésticos, viagens de táxi, reconhecimento de assinaturas, um sem número de prestações efetuadas nos seus estabelecimentos por estes e por outros prestadores de serviços. Seria prático e exequível o pagamento de cerca de 1 euro, a entregar pelos adquirentes à Segurança Social, em cada uma das operações?

Não é difícil reconhecermos a enorme dificuldade de concretizar este sistema. O trabalho burocrático necessário é totalmente desproporcionado com o efeito financeiro que dele resulta. Um parêntesis, para referir que há anos que temos vindo a sugerir que se liberte a obrigação de retenção na fonte de IRS nos notários, pela dispersão que causa – centenas de entidades retentoras – criando, aos notários e aos serviços fiscais, enormes dores de cabeça e desnecessárias perdas de tempo, na vã tentativa de acertar as inúmeras falhas originadas pelos incumpridores. Também em retenções nos serviços de baixo valor, como na reparação automóvel, se verifica a mesma dispersão, pelo que todos sairíamos a ganhar caso estas retenções (de 11,5%) fossem aplicadas só a valores acima dos 1.000 €, mesmo que pagos de forma faseada.

Por outro lado, esta dificuldade burocrática levaria, também, os adquirentes a optar progressivamente pela contratação de sociedades, em detrimento das empresas individuais.


Assim, urge rever os princípios que parecem enformar as últimas alterações legislativas, abandonando-se o sistema de contribuição devido pelos adquirentes e minimizando as distorções causadas por uma classificação artificial que tem por base o conceito pouco objetivo de “serviços”.


CONTABILISTAS CERTIFICADOS


Sem comentários: